Diocese de Jundiaí

Celebrar a Páscoa do Senhor diante da ameaça do coronavírus

Diocese de Jundiaí › 03/04/2020

“Tenho certeza de que nem a morte, nem a vida…”, nem a epidemia do coronavírus “será capaz de nos separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (cf. Rm 8,38-39).

Prezados irmãos e irmãs da Igreja de Deus que se faz presente na Diocese de Jundiaí:

Estamos passando por momentos muito difíceis e dramáticos. O mundo, repentinamente, foi surpreendido pela pandemia do coronavírus. Os vírus não têm passaporte, pátria ou nacionalidade: atingem a todos os povos, ricos e pobres, sadios e enfermos, pessoas de qualquer idade e condição social.

Na noite do último dia 27 de março, uma sexta-feira, o Papa Francisco, na Praça de São Pedro, vazia, rezou pela humanidade, invocando a misericórdia de Deus pelo fim da pandemia. Para a homilia, o Papa Francisco escolheu a passagem evangélica muito apropriada para este momento de “densas trevas (que) cobriram as nossas praças, ruas e cidades; (que) se apoderaram das nossas vidas, enchendo tudo dum silêncio ensurdecedor e um vazio desolador, que paralisa tudo à sua passagem”: a narração da tempestade acalmada (cf. Mc 4,35-41). De fato, diante desta epidemia, todos nós estamos “temerosos e perdidos”, pois, “à semelhança dos discípulos do Evangelho, fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furibunda”.

Consequentemente, torna-se cada vez mais difícil continuar a crer, crer na vitória do bem sobre a morte, crer na presença de Deus em nossa vida. E na barca ameaçada por uma tempestade bem forte, Jesus, aparentemente, “dorme sobre o travesseiro” (cf. Mc 4,38). E, por sua vez, os discípulos suplicam: “Mestre, não te importa que pereçamos?” (Mc 4,38). O Senhor acorda, acalma a tempestade e repreende seus discípulos: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” (Mc 4,40). Sim, quem crê, de verdade, em Jesus, não pode perder a fé, a esperança, a certeza de que esta epidemia não poderá, de forma alguma, falar a última e decisiva palavra sobre o destino da humanidade.

E por que tanta certeza? Porque Jesus “assumiu as nossas dores e enfermidades” (cf. Mt 8,16), até a morte, e morte cruel e violenta na cruz para confirmar, com a sua Palavra e a sua Pessoa, que nada e ninguém podem nos separar do amor que Deus tem por nós. Claro que o mal existe, e esta pandemia é sinal que contradiz frontalmente o projeto inicial de Deus por nós, feitos “à sua imagem e semelhança” (cf. Gn 1,27). De maneira alguma Deus quer o nosso mal, pois se Deus fosse mau, não seria Deus. Mas algumas coisas acontecem em nossa vida como um alerta para que nós possamos mudar alguns hábitos, transformar a atitude com o nosso próximo, com nós mesmos e com o nosso Deus. Como consolam as palavras do Apóstolo Paulo: “Sabemos que tudo coopera para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8,28). “Tudo”, ele diz, como também esses momentos difíceis que atravessamos, pois Deus sempre sabe tirar do mal um bem. Santo Agostinho, o grande pensador, afirmou: “Deus todo-poderoso, por ser soberanamente bom, nunca deixaria qualquer mal existir em suas obras se não fosse bastante poderoso e bom para fazer resultar o bem do próprio mal” (De libero arbitrio, I, 1, 2).

Portanto, não há felicidade sem dor, não há como despojar-se de si para unir-se a Deus e continuar fixando o olhar apenas em si mesmo, egoisticamente, asfixiado com as coisas fúteis da vida, sem coração para amar. Na sua homilia, o Papa Francisco destacou muito este ponto: a tempestade desta epidemia “desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades. Mostra-nos como deixamos adormecido e abandonado aquilo que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e à nossa comunidade”. Aliás, o Papa deu um grande sinal para o mundo: ele caminhando sozinho, na escuridão da noite, na praça vazia, debaixo da chuva, em direção ao local da celebração litúrgica… É a imagem do ser humano, grande na sua dignidade, mas incapaz de dar, por si próprio, sentido à sua vida… sinal da Igreja despojada de todo poder e privilégios… Por isso, tenho certeza de que o mundo e a Igreja não serão os mesmos após esta pandemia.

Esta é, então, a grande lição da Páscoa do Senhor: em Cristo ressuscitado a vida vence a morte, a graça destrói o pecado, a luz ilumina as trevas e o poder de Deus prevalece sobre os sinais do mal. Páscoa de Cristo que deve ser também a nossa Páscoa a ser acreditada e vivida a cada momento de nossa existência.

Crer na Páscoa significa continuarmos a permanecer unidos aos sofrimentos de todos aqueles que estão infectados pelo vírus e aos seus familiares, como tantos outros que perderam seus entes queridos, ceifados por esta epidemia.

Crer na Páscoa significa acreditar que sempre é possível repetir os gestos e o heroísmo de tantos médicos e profissionais de saúde que nestes dias estão colaborando para amenizar os sofrimentos nos hospitais.

Crer na Páscoa significa continuarmos a nos sensibilizar, com gratidão e generosidade, com todos aqueles que estão trabalhando em tantos serviços essenciais e colocando sua vida em favor dos irmãos.

Crer na Páscoa significa ficarmos unidos em oração por todos aqueles que estão sofrendo em situações de vulnerabilidade e pobreza, sem condições de viver o distanciamento social pedido pelas autoridades sanitárias.

Crer na Páscoa significa levar a sério a vida, “dom e compromisso”, sendo os “bons samaritanos” de hoje que conseguem ver, sentir compaixão e cuidar dos necessitados (cf. Lc 10,33-34).

Crer na Páscoa significa continuarmos nossa luta em favor de políticas públicas para que haja vida, e vida plena para todos, particularmente no mundo da saúde, que nestes dias mostrou ser incapaz de atender a todos de forma rápida e digna.

Crer na Páscoa significa continuarmos a amar e valorizar nossas famílias, convivendo em família, rezando em família – como tanto fizemos nestes dias participando das celebrações pela internet −, animando uns aos outros em espírito de comunhão e fé, mas sem jamais nos esquecermos da Igreja, a grande família de Deus.

Esta é a grande alegria que devemos anunciar e testemunhar a todos: Cristo ressurgiu do túmulo, e a pedra que o fechava foi removida (cf. Mc 15,46; Jo 20,1). Com fé, esperança e amor no Cristo Vivo e Ressuscitado certamente venceremos tudo aquilo que ameaça e desafia nossa ânsia de viver: até a terrível pandemia!

De coração, desejo a todos: uma santa e abençoada Páscoa do Senhor.

 Dom Vicente Costa
Bispo Diocesano de Jundiaí

Por Diocese de Jundiaí

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