Estilo de Vida

A moda, a modéstia e a fé católica

Regnum Christi › 25/08/2017

Pecando Adão e Eva, abriram-se seus olhos, diz a Escritura, e passaram a ver maldade no que antes era puro: a sua nudez. “Em tudo isto, a ‘nudez’ não tem apenas significado literal, não se refere só ao corpo, não é origem de uma vergonha referida só ao corpo. Na realidade, através da ‘nudez’ , manifesta-se o homem destituído da participação no Dom, o homem alienado daquele Amor que tinha sido a fonte do dom original, fonte da plenitude do bem destinado à criatura.” (São João Paulo II. Catequese em 14 de maio de 1980, nº 2)

Procuraram vestir-se de folhas, cobrindo as partes pudicas. A Bíblia nos diz que Deus, depois, providenciou outras vestes, de pele. Ora, se eles já estavam vestidos, por que Deus fez outras roupas? Certamente porque as primeiras, ainda que suficientes para cobrir a nudez de nossos primeiros pais, ainda não eram adequadas ao padrão de moralidade querido pelo próprio Senhor. Nessa passagem, então, a Bíblia nos alerta que não basta que nos vistamos: é preciso vestir-se bem.

“Então os seus olhos abriram-se; e, vendo que estavam nus, tomaram folhas de figueira, ligaram-nas e fizeram cinturas para si. (…) O Senhor Deus fez para Adão e sua mulher umas vestes de peles, e os vestiu.” (Gn 3,7.21)

A roupa tem uma função: a partir do pecado original, os corpos dos homens – homem e mulher – passam a ser atingidos pela morte e pela doença. É preciso proteger-se das intempéries: defender do frio, conservar o calor, impedir que a chuva nos molhe, auxiliar na defesa contra animais. A primeira função da roupa é, pois, proteger o corpo, e isso é uma necessidade advinda da nova condição do ser humano após a Queda.

Mas como o corpo e a alma são unidos na mesma pessoa e juntos são constitutivos da mesma natureza humana, há uma certa ligação entre corpo e alma. A roupa protege o corpo, mas também protege a alma. Ao corpo, serve a roupa para proteger dos problemas físicos. À alma para proteger dos problemas espirituais. Se no corpo a vestimenta conserva a temperatura, na alma ela conserva a pureza. Em outras palavras, assim como Adão e Eva perceberam, após o pecado, que estavam nus e viram maldade nisso, também continuamos a ter essa tendência da malícia, um forte componente da falta de castidade e da impureza: e assim como eles providenciaram roupas primitivas e Deus, depois, criou vestes ainda mais adequadas, nós protegemos nossas almas dos dardos malignos do demônio, do mundo e da carne, que querem tirar nossa pureza. A roupa precisa ser adequada para defender o corpo das altas ou baixas temperaturas e de todas as agressões externas. Da mesma forma, precisa ser adequada para, protegendo o corpo e cobrindo o que deve ser coberto, proteger a alma de todas as agressões espirituais. Em suma, a roupa, como querida por Deus desde o pecado de Adão e Eva, precisa ser modesta.

A mudança do estado de natureza íntegra, no qual foram Adão e Eva criados, para o estado de natureza decaída, após o pecado original, muda toda a história da humanidade, estabelece a malícia, e a necessidade de também estabelecer remédios contra o mal inaugurado no mundo. O remédio é a graça santificante, bem o sabemos, e que virá pelo sacrifício de Cristo na Cruz, mas essa graça age, se bem que principalmente pelos sacramentos, também de meios naturais pelos quais se serve. A roupa feita por Deus é um deles – e mostra a todos nós que, para que enfrentemos corajosamente nossas más tendências, presentes na alma desde o pecado de nossos primeiros pais, temos que prestar atenção nas nossas vestimentas, para que sejam adequadas, como aquelas que o Criador teceu para o homem e a mulher depois da Queda.

Outras funções tem a vestimenta, como social, necessidade de trabalho, adaptar-se à cultura etc, e isso vamos ver, se preciso, ao longo da obra. Agora o que nos interessa é isso: a roupa defende o corpo e a alma. E expressa, por isso, o que significa o homem, o que significa a mulher. “A roupa, além de responder à necessidade natural de cobrir o corpo, é também uma manifestação da cultura de um povo. Mediante a moda, podemos adivinhar a sensibilidade de uma época e sua visão do homem.” (Persona y moda, el sentido de la elegancia. Conferencia pronunciada en el Corte Inglés, León, 11 de noviembre 2009.

Avancemos. Deus, além de providenciar vestes e proferir maldições a Satanás, bem como dar um castigo ao gênero humano, promete um Salvador e séculos mais tarde envia Jesus Cristo, Seu Filho para morrer na Cruz por nós, dando-nos a Redenção. Essa Redenção é completa e atinge o ser humano em sua integralidade, promovendo uma renovação de nossas relações, uma purificação de nossa vida, inclusive de nossas relações uns com os outros, com o sexo oposto, e da forma como enxergamos o corpo e a virtude da pureza. A Redenção é um fato que nos muda por completo, e nos faz passar para uma nova cultura sob a graça, que nos faz ser puros por Sua ação e nossa colaboração com ela. “… O Papa defende vigorosamente o real poder de redenção para libertar o coração humano do domínio da luxúria, chamando homens e mulheres para um novo ethos.” (Christopher West).

A salvação da humanidade operada por Cristo na Cruz a faz retornar ao estado original de justiça pela ação da graça, e ainda eleva a criatura a um patamar ainda mais alto: tornamo-nos filhos de Deus. Não é só um perdão da mancha do pecado original e da culpa pelos pecados pessoalmente cometidos. É uma transformação do pecador em santo, e uma elevação da criatura, tendo ou não pecado, à condição de filho. E isso renova o homem e a mulher por inteiro. Uma transformação real, não só uma justificação forense, uma simples declaração de que o homem é justo. A justificação é efetiva: Deus declara justo quem Ele transforma realmente em justo. “Salvação é mais do que perdão. É uma genuína renovação do homem.” (Arcipr. George Florovsky. São Gregório Palamas e a Tradição dos Padres, trad. do Pe. Pedro Oliveira Junior. E essa renovação integral atinge sua expressão sexual e o modo como se comporta em sociedade, se relaciona com o próximo e também como ele se veste!

O interior se manifesta no exterior, não esqueçamos.

Jesus mesmo no diz: “O homem bom tira coisas boas do bom tesouro do seu coração, e o homem mau tira coisas más do seu mau tesouro, porque a boca fala daquilo de que o coração está cheio.” (Lc 6,45) O exterior, pois, deve ser reflexo do interior, e não nos adianta nada cultivar apenas o interior, desdenhando do exterior. O homem é alma unida a um corpo. Claro que a alma é mais importante, claro que esta é a forma, claro que ela é que nos garante a semelhança com Deus, e dela procedem os afetos e as intelecções. Não olvidemos, todavia, que embora menos importante, o corpo é também criação de Deus. Negar isso é cair na gnose, é achar que o corpo é maldito, é ruim. O corpo precisa submeter-se à alma, mas não ser negado ou extinto. Até mesmo o Credo que rezamos em todas as Missas diz que no fim do mundo haverá a ressurreição da carne: não é só a alma que será salva, o corpo também. O homem ressuscitado unirá sua alma salva ao corpo tornado glorioso. A busca da santidade, questão profundamente interior, deve se manifestar no exterior, também em nossas vestes, que passam sempre uma mensagem aos outros.

“Você pode ter o que quiser se você se veste para isso.” (Edith Head)

A moda “periguete” ou “biscate”, por exemplo, é reflexo de uma crise gravíssima na identidade feminina, um fruto do feminismo, que tanto combateu pelos direitos da mulher e que gerou, paradoxal mas necessariamente, a vulgarização da mulher por conta de um mal compreendido exercício desses mesmos direitos. Também é manifestação da imagem que a mulher tem de si mesmo, como se o atraente fosse a exposição desmedida de seu corpo. Como li em algum lugar, para algumas não basta ser graciosamente sexy, pois o objetivo é parecer modelo de capa de revista de gosto duvidoso ou madrinha de bateria em ensaio de escola de samba.

O grande São Paulo da Cruz, em carta de 9 de março de 1760, adverte à sua dirigida Teresa Palozzi para que “guarde todos os seus sentidos, em especial os olhos, e também seu coração. Seja modestíssima e guarde a maior compostura de noite e de dia em todos os seus gestos. Deves amar e guardar a virtude da modéstia com o máximo zelo; não se fie em nada e, sobretudo, desconfie de si mesma.”

Se o seu coração feminino exala a sua fé cristã, você transparecerá isso em tudo, inclusive em seu vestuário. E isso a ajudará até mesmo a conseguir um relacionamento conjugal sólido e sadio. “O coração de uma mulher deve ser tão próximo de Deus que um homem precisa persegui-Lo para encontrá-la.” (C.S. Lewis)

Por Regnum Christi

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